domingo, 5 de fevereiro de 2012

Primeiro conto

Chegou em casa às 20h. Como de costume, jogou as chaves na mesinha de centro, na entrada da sala e foi em direção ao escritório. Tudo muito automático. Movimentos não justificados, já que na casa, não tinha ninguém, além do gato de estimação, que carinhosamente era chamado de Smile- nome dado depois de bichano fazer tantas graças há mais ou menos um ano, quando foi comprado. Hoje Smile não é mais o mesmo. Fica deitado no tapete do quarto e só sai quando é colocado para fora. O silêncio da noite fria era interrompido vagarosamente, pelos movimentos mecânicos que conseqüentemente fazia ao andar pela casa. Procurava em vão encontrar qualquer vestígio que desmentisse as verdades da noite passada. Sem resposta, vai para o quarto e deita na cama. Não se dá nem o trabalho de tirar os sapatos. Talvez nem soubesse mais como é tirar os sapatos sozinho. Tinha sempre tudo ao alcance. Agora, precisa se adaptar e aprender como é dividir a solidão. Tomado de tanto cansaço físico e mental, tenta pensar em algo que o fizesse esquecer as preocupações e complicações do que foi mal resolvido. Não tem jeito. Como um filme, relembra tudo que foi bom. Aquilo que passou e deixou escapar, sem perceber. Mínimos detalhes, como o jeito de apagar as luzes ou como acordava no meio da noite para ir ao banheiro. Tudo era motivo para relembrar e se arrepender. Talvez fosse tarde para notar e tentar recuperar o que perdeu - quem sabe para sempre. As noite calorosas e cheias de paixão também o faziam transpirar. Apesar do frio, típico de novembro, sentia seu corpo quente, como se estivesse febril. Às vezes tinha até calafrios. Tudo muito contraditório. Agora, 01h34 da madrugada, sente-se incomodado ao ver que na cama sobra espaço. No criado mudo, não há mais livros, nem os jornais que ela sempre esquecia - e que eram motivo de discussões. Agora, apenas o despertador. Mesmo com espaços a serem completados, o cheiro ainda estava lá. Travesseiro, roupas, o lado direito da cama, em tudo. Parecia que antes de ir embora, propositalmente, tivesse espalhado o frasco do perfume preferido em toda casa. Incômodo. Sensação de que se está ferido sem chance de socorro. Um barulho interrompe os pensamentos de um passado um tanto presente. Seria ela? Desesperada e arrependida por ter ido embora? Não. Não há o que se arrepender. Era Smile. Acabara de tentar subir na mesa da sala e acabou derrubando as chaves. Não chama a atenção de smile. Foi bom acordar e passar pela cozinha. Lembrou-se de que não tinha comido absolutamente nada, desde às 18h. Abriu a geladeira, pegou a caixa de leite desnatado - ela adorava beber leite com duas pedras de gelo antes de dormir - colocou no copo e bebeu. Puro e gelado. Perdeu a fome. Voltou para o quarto e tentou dormir. Às 07h, toca o despertador. Mas se não tocasse - ele sempre costumava falhar - não teria problemas. O Sol se encarregou de aparecer e iluminou o quarto. Continuou deitado mais ou menos meia hora e decidiu não ir trabalhar. Preferiu ficar em casa e fazer companhia a Smile, que a essa altura, já devia estar arranhando a porta do quarto para voltar para o tapete. Ficou trancado na sala, depois de ter feito bagunça na noite anterior. Refletiu. A falta de tempo era outro motivo para tantas brigas. Hoje vai ficar em casa sozinho. Mas ela não está lá. Ela não vai ver.

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